Da Química nas artes poéticas

Imagem 1: O então sonho de August Kekule e a descoberta da ressonância em compostos aromáticos. A possibilidade de introspecção e manutenção da individualidade humana mesmo em estudos que necessitam de objetividade e método.
Por vezes esquecemos o real sentido do conhecimento; do quão valoroso ele pode ser significado e aplicado em inúmeros significantes. O maior dos tecnológicos em valores introspectivos, intrínseco à condição humana, é encontrado em uma espécie constante de movimentação: assim como as grandes vias metropolitanas. Acontece que o trânsito para as vias do legítimo conhecimento se torna cada vez mais restrito e limitado. Talvez essa restrição nos cause uma espécie de engarrafamento: não pela inúmera quantidade de carros (motivo pelo qual, com o advento da internet e tecnologias de informações, a disseminação de conhecimento se torna mais palpável), mas pela contenção de espaços que deveriam abrir caminho para o afloramento de novas descobertas e disseminação dos verdadeiros e duradouros resquícios de nossas existências, tal como a restrição do desenvolvimento de aptidões artísticas, desde a mais tenra idade, no homem contemporâneo.

O conhecimento, sem dúvidas, está atrelado à valores artísticos. A arte é um dos verdadeiros marcos na história da vida na Terra. O conhecimento é sublime - a arte também. São indissociáveis. Devemos aprender a admirar a arte tão como reconhecemos a legitimidade dos conhecimentos considerados científicos. Acontece que a arte pode reinventar-se como tão científica quanto... Aliás, será que ela precisa ser realmente assim tão científica? Antes de tudo, devemos nos preocupar em passar para as novas gerações a real importância de se apreciar da boa arte e reproduzi-la.

Antes de relacionarmos o ceticismo arbitrariamente atrelado aos estudos das ciências naturais, é de verdadeira importância recorrermos as singularidades presentes nas origens dessas ciências erroneamente resumidas em termos que limitam a área de ação de suas discussões propostas: mais que uma ciência meramente exata, a Química é palco de descobertas cada vez mais ligadas ao envolvimento do ser humano com as conquistas do meio natural. Propondo debates muitas das vezes relacionados com tópicos importantes da filosofia, como o naturalismo, a Química também abre espaço para o afloramento de discursos que abrangem o repasse daquilo que pode ser considerado de maior valor cultural na humanidade: o desenvolvimento de diversos seguimentos artísticos tais como a ampla possibilidade de produção literária (e poética) desenvolvida nessa área.

"Tal como os artistas, os químicos combinam elementos existentes de formas até então desconhecida para criar algo inteiramente novo. E como a arte, a ciência procura fazer a ligação entre áreas anteriormente díspares do conhecimento, permitindo aos cientistas olhar os materiais de formas novas e diferentes, e fazer associações inesperadas que levam a novas descobertas. Na ciência, como na arte, é necessário penetrar na imaginação e criatividade, a fim de subir acima do conhecimento aceite e prática para criar novos modelos e teorias que podem estimular ou acomodar novos conhecimentos." Art and Science - Looking in the Same Direction.

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"Ver a tabela, “entendê-la”, mudou minha vida. Passei a visitá-la sempre que podia. Copiei-a em meu caderno de exercícios, andava com ela por toda parte; acabei por conhecê-la tão bem — visual e conceitualmente — que era capaz de traçar em minha mente os seus caminhos em todas as direções, subindo por um grupo, virando à direita em um período, parando, descendo por outro, e sempre sabendo onde eu estava. Era como um jardim, o jardim de números que eu amava quando pequeno — mas, diferentemente deste, a tabela era real, uma chave para o universo. Eu passava horas fascinado, totalmente absorto, vagueando e fazendo descobertas no jardim encantado de Mendeleiev."
Oliver Sacks, Tio Tungstênio: Memórias de uma infância Química.

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Lavoisier
(Carlos de Oliveira)
Na poesia,
natureza variável
das palavras,
nada se perde
ou cria,
tudo se transforma:
cada poema,
no seu perfil
incerto
e caligráfico,
já sonha
outra forma.

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Eu adorava Química em parte por ela ser uma ciência de
transformações, de inúmeros compostos baseados em algumas
dúzias de elementos, eles próprios fixos, invariáveis e eternos. A
noção de estabilidade e de invariabilidade dos elementos era
psicologicamente crucial para mim, pois eu os via como pontos
fixos, como âncoras em um mundo instável. Mas agora, com a
radioatividade, chegavam transformações das mais incríveis.
(...)
A radioatividade não alterava as realidades da Química
ou a noção de elementos; não abalava a ideia de sua
estabilidade e identidade. O que ela fazia era aludir a duas
esferas no átomo – uma esfera relativamente superficial e
acessível, que governava a reatividade e a combinação química,
e uma esfera mais profunda, inacessível a todos os agentes
químicos e físicos usuais e suas energias relativamente
pequenas, onde qualquer mudança produzia uma alteração
fundamental de identidade.
Oliver Sacks

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